quinta-feira, novembro 05, 2009

Quase

O artigo de Mário Crespo, no Jornal de Notícias, de ontem, é brilhante, e tem razão em quase tudo o que escreve. Quase. Porque as pessoas têm direito à sua inocência até serem julgadas. Independentemente de gostarmos ou não delas e de se ter quase a certeza que tudo isto é verdade. Quase.

"O processo Face Oculta deu-me, finalmente, resposta à pergunta que fiz ao ministro da Presidência Pedro Silva Pereira - se no sector do Estado que lhe estava confiado havia ambiente para trocas de favores por dinheiro. Pedro Silva Pereira respondeu-me na altura que a minha pergunta era insultuosa.

Agora, o despacho judicial que descreve a rede de corrupção que abrange o mundo da sucata, executivos da alta finança e agentes do Estado, responde-me ao que Silva Pereira fugiu: Que sim. Havia esse ambiente. E diz mais. Diz que continua a haver. A brilhante investigação do Ministério Público e da Polícia Judiciária de Aveiro revela um universo de roubalheira demasiado gritante para ser encoberto por segredos de justiça.

O país tem de saber de tudo porque por cada sucateiro que dá um Mercedes topo de gama a um agente do Estado há 50 famílias desempregadas. É dinheiro público que paga concursos viciados, subornos e sinecuras. Com a lentidão da Justiça e a panóplia de artifícios dilatórios à disposição dos advogados, os silêncios dão aos criminosos tempo. Tempo para que os delitos caiam no esquecimento e a prática de crimes na habituação. Foi para isso que o primeiro-ministro contribuiu quando, questionado sobre a Face Oculta, respondeu: "O Senhor jornalista devia saber que eu não comento processos judiciais em curso (…)". O "Senhor jornalista" provavelmente já sabia, mas se calhar julgava que Sócrates tinha mudado neste mandato. Armando Vara é seu camarada de partido, seu amigo, foi seu colega de governo e seu companheiro de carteira nessa escola de saber que era a Universidade Independente. Licenciaram-se os dois nas ciências lá disponíveis quase na mesma altura. Mas sobretudo, Vara geria (de facto ainda gere) milhões em dinheiros públicos. Por esses, Sócrates tem de responder. Tal como tem de responder pelos valores do património nacional que lhe foram e ainda estão confiados e que à força de milhões de libras esterlinas podem ter sido lesados no Freeport."

Face ao que (felizmente) já se sabe sobre as redes de corrupção em Portugal, um chefe de Governo não se pode refugiar no "no comment" a que a Justiça supostamente o obriga, porque a Justiça não o obriga a nada disso. Pelo contrário. Exige-lhe que fale. Que diga que estas práticas não podem ser toleradas e que dê conta do que está a fazer para lhes pôr um fim. Declarações idênticas de não-comentário têm sido produzidas pelo presidente Cavaco Silva sobre o Freeport, sobre Lopes da Mota, sobre o BPN, sobre a SLN, sobre Dias Loureiro, sobre Oliveira Costa e tudo o mais que tem lançado dúvidas sobre a lisura da nossa vida pública. Estes silêncios que variam entre o ameaçador, o irónico e o cínico, estão a dar ao país uma mensagem clara: os agentes do Estado protegem-se uns aos outros com silêncios cúmplices sempre que um deles é apanhado com as calças na mão (ou sem elas) violando crianças da Casa Pia, roubando carris para vender na sucata, viabilizando centros comerciais em cima de reservas naturais, comprando habilitações para preencher os vazios humanísticos que a aculturação deixou em aberto ou aceitando acções não cotadas de uma qualquer obscuridade empresarial que rendem 147,5% ao ano. Lida cá fora a mensagem traduz-se na simplicidade brutal do mais interiorizado conceito em Portugal: nos grandes ninguém toca."

2 comentários:

  1. O Mário Crespo escreve deliciosamente e não vende a alma ao diabo, como a grande maioria dos pobres diabos dos jornalistas têm de fazer se querem sobreviver nessa selva de recibos verdes e favorzinhos.

    Nós não somos mais corruptos que os outros. O que há aqui, perfeitamente terceiro mundista, é que quem é apanhado nunca teve culpa de nada, nunca soube de nada, os métodos para os apanhar foram ilegais, e tudo segue girando... Lá fora, e é isso que nos distingue, quando alguém, por maior tubarão que seja é apanhado, enfia a viola no saco, os outros apontam-lhe o dedo e ele "come por todos". É essa a regra do jogo da corrupção nos países desenvolvidos, vale tudo (se não tiveres espinha) até ao dia em que fores apanhado. Aplica-se a ti, como se aplica a todos.

    Pobre país este, entregue à bicharada!

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  2. Sir Christopher Kelly acaba de dar um golpe mortal nos privilegios do Deputados da Camara dos Comuns britanica, tirando lhes a partir do ano seguinte varios subsidios de alimentacao, habitacao, transportes e outras facildades que eram pagos pelos contruintes.

    http://news.bbc.co.uk/1/hi/uk_politics/8341431.stm

    Ver video.

    Mesmo assim o Ze Povinho pensa o Kelly nao foi ousado demais nos cortes exigidos visto os senhores do Parlamento continuarem a ser uns priviligiados comparados com os milhoes que vivem na miserira no Reino Unido.

    Quanto a Portugal ja ouvimos falar da Republica da Bananas... mas uma Republica dos Sucateiros... essa e nova.

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