quinta-feira, maio 14, 2009

A Copa


O futebol internacional se profissionalizou de tal forma que a segunda Copa do Mundo que o Brasil sediará, em 2014, deve ter pouco em comum com a primeira, de 1950, vencida pelo Uruguai – principalmente no resultado da final, espera-se. Entre essas diferenças, uma das mais curiosas está à vista de todos: se naquele tempo a Copa era uma copa propriamente dita, em 2014 não será mais.
Convém explicar. Como anda na moda em certos círculos agarrar palavras pelo pé da letra, pregando-se a substituição de expressões legítimas como “risco de vida” (por risco de morte) e “greve de fome” (por greve de comida), é de admirar que ainda não tenham disparado o alarme: no reino do literalismo, faz tempo que a Copa do Mundo é uma ficção.
De fato, Copa-copa era no tempo da Jules Rimet, quando a taça tinha a forma de uma taça, na qual se podia até beber champanhe. E bebeu-se mesmo: na comemoração do título de 1958 na Suécia, a Jules Rimet passou de boca em boca. Quem recorda é Pelé no livro que lançou ano passado (“Pelé, a autobiografia”, editora Sextante). Acrescenta que limitou-se a assistir: aos 17 anos, estava abaixo da idade legal para aquele tipo de celebração.
O uso era irreverente, mas perfeito. A palavra “copa” é derivada do latim cupa ou cuppa, “vasilha grande”, que deu ainda nos nossos copo e cuba, no inglês cup e no italiano coppa, entre outros herdeiros mundo afora. Mas depois que o Brasil garantiu em 1970 a posse da Jules Rimet (para sempre, imaginávamos, até que ladrões a derreteram), o troféu da Fifa perdeu o côncavo necessário para se qualificar literalmente como copa.
Felizmente, tudo isso tem apenas valor de curiosidade. Faz tempo que o sentido de copa, tendo se expandido da taça para a disputa esportiva eliminatória em que ela é posta em jogo, estendeu-se também a troféus de formas variadas. Assim caminham as línguas. Já não existem discos em aparelhos de telefone, mas continuamos a “discar” números. Há anos a “novela das oito” começa às nove. E a Copa do Mundo é um globo.


Texto publicado na “Revista da Semana”.
Sérgio Rodrigues

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